quinta-feira, dezembro 02, 2004

OS MAIAS

Sofro sempre uma crise existencial quando acabo de ler um livro.
Sinto um vazio, tenho necessidade de o preencher, mas nem sempre isso é fácil. Há alturas em que tenho de começar a ler 3 ou 4 livros até encontrar o ideal, o certo, o indicado para a altura.
Acabei de ler um policial irlandês ontem. Escolhi um outro policial, agora um italiano, para o suceder. Não consegui.
E aqui fiquei, passeando entre a cama e o móvel, pegando neste e naquele. Folheando-os.
Nenhum me cativou.
Voltei a um amor antigo, o qual me chamava à cerca dum ano.
Peguei no meu Eça, datado de 1936, uma edição baratucha que nada vale. Vou assim reler os amores do Carlos e Maria Eduarda.

Deixo no entanto aqui a minha parte favorita de "OS MAIAS". Alguns vão reconhecê-la. AH! estará ligeiramente abreviada.

"Ega, em summa, concordava. Do que elle principalmente se convencera, n´esses estreitos annos de vida, era da inutilidade de todo o esforço. (...)
- Se me dissessem que alli em baixo estava uma fortuna como a dos Rothschilds ou a corôa imperial de D. Carlos V, á minha espera, para serem minhas se eu para lá corresse, eu não apressava o passo...Não! Não sahia d´este passinho lento, prudente, correcto, seguro que é o único que se deve ter na vida.
- Nem eu! - acudiu Carlos com uma convicção decisiva.
(...)
- Oh, diabo!... E eu que disse ao Villaça e aos rapazes para estarem no Braganza pontualmente ás seis! Não apparecer por ahi uma tipoia!...
- Espera! - exclamou Ega. Lá vem um "americano", ainda o apanhamos.
- Ainda o apanhamos!
Os dois amigos lançaram o passo, largamente.
(...)
-(...) Com effeito, não vale a pena fazer um esforço, correr com ancia para cousa alguma...
Ega, ao lado, ajuntava, offegante, atirando as pernas magras:
- Nem para o amor, nem para a glória, nem para o dinheiro, nem para o poder...
A lanterna vermelha do "americano", ao longe, no escuro, parára. E foi em Carlos e em João da Ega uma esperança, outro esforço:
- Ainda o apanhamos!
- Ainda o apanhamos!"

Ai que saudades deste romance, até amanhã. Vou ler até adormecer nesta bela tragédia, olhando atento para as diferenças políticas e nacionais existentes entre Eça e o século XXI.

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