sexta-feira, novembro 03, 2006

A Sandra Helena

Ah! A Sandra Helena...como me lembro dela.
(Não, isto não é o que estão a pensar...)
Continuando na 1ªclasse (ou 1º ano do 1º Ciclo, como se diz hoje) lembrei-me da Sandra Helena.
Não estávamos preparados (culpa dos pais, dos avós e sei lá mais de quem) para compreender (ah!também da idade) a Sandra Helena. Claramente vinha de uma família desfavorecida, e ainda que nenhum dos alunos da turma fosse rico, ou mesmo da classe média, a Sandra ressaltava.
Pelas roupas...pela forma como olhava para os cadernos, lápis e canetas. A boca ia alternando de cor consoante a cor da caneta que a rapariga chupava.
A Sandra foi a única a aliviar a bexiga no meio da sala, quando a professora lhe respondeu que ainda tinha ido à casa de banho há cinco minutos, se quisesse que fizesse ali, e ela fez!
Acho que devemos ter sido cruéis, imagino que sim, porque todas as crianças o são quando em contacto com o que não compreendem.
E eu nasci e cresci não há muito tempo atrás, mas ainda havia uma quinta para jogar à bola, um local para jogar às escondidas que não atrás dos carros, conhecíamos a terra e a erva em vez do alcatrão, mas não compreendíamos outras coisas...foram-nos sendo ensinadas ao longo dos anos...
É sintomático que não me tenha esquecido da Sandra Helena, que só foi minha colega na primeira classe. De que é que queremos que os nossos filhos não se esqueçam? Com que realidades as nossas crianças se deparam diariamente? Estamos interessados em fazê-las compreender essas mesmas realidades, já as compreendemos nós?
Lembro-me que os meus pais fizeram-me uma festa de anos em que me disseram para convidar os meus amigos da escola, e lá convidei grande parte da turma. Menos o Daniel, o Daniel era preto! Quando os meus pais se aperceberam falaram comigo e envergonharam-me (no bom sentido); que raio de pessoa era eu? Na escola a cor não importava, e no momento de escolher os convidados...
O Daniel foi um dos meus melhores amigos, morreu aos 17 anos com uma doença qualquer. De vez em quando lembro-me do Daniel, mas não me lembro tantas vezes deste episódio. O Daniel foi um dos meus melhores amigos porque alguém me fez ver o erro que estava a cometer, compreender outras realidades.
Ah! A Sandra Helena...

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