segunda-feira, fevereiro 11, 2008

A vida é um Milagre de Emir Kusturica

Nada como começar com uma citação, e quando esta é de Sylvester Stallone parece que o caldo entornou.
“Tinha um discurso em “John Rambo” e cortei-o. Falava como a guerra é a consequência dos actos de uma série de homens que estão no topo, mas na verdade ela não é a nossa guerra. São velhos que começam a guerra, jovens que lutam na guerra e ninguém vence. Toda a gente morre.”
A vida é um Milagre é um pouco assim, embora a guerra esteja simultaneamente ausente e omnipresente.
Esta guerra não é tua, nem é minha - diz a determinada altura uma das personagens, um capitão. E a realidade é que as personagens vivem uma guerra que não é a delas.
Não se trata de um filme de guerra, ou sobre a guerra, é antes demais um filme anti-guerra. Em que as personagens são transformadas por esta, mas em primeiro lugar são pessoas descritas com as qualidades que têm e que vivem em primeiro lugar por culpa das suas características e qualidades, sendo a guerra o cenário e pouco mais. AS personagens elevam-se em relação a esta.
Há imensas, demasiadas dicotomias para as assinalar a todas. Há a pomba no canhão do tanque. Há as dicotomias campo/cidade. Aliás, uma das características do cinema dos Balcãs interpretam muitas vezes a guerra como o confronto entre urbanos (civilizados) e campesinato (pouco ou nada civilizados). Kusturica tende a ter uma interpretação diferente e a colocar as suas personagens em contraste com estas duas ideias. Normalmente são personagens urbanas (mesmo quando esta é pequena), mas vemos as suas raízes rurais, ou a sua luta à lupa da vida campestre.
E isso é verdade neste filme. A mulher da personagem principal e filho zangam-se amiúdamente com pai por estarem longe da cidade, o que os impede de levar a cabo as suas carreiras. O caminho de ferro que é encarado como uma ponte para a civilização é atacado pela dicotomia, já que serve, muitas das vezes, para o tráfico de drogas e armas.
O resto é um filme com as características Kusturicanianas. Os animais que tomam conta do filme. A burra apaixonada, que chora e procura a morte. A música que é uma personagem per si, que nos eleva quando a história nos poderia socar com violência, o psicadelismo das situações e das imagens mais a música, das situações.
Depois há as críticas, mais ou menos, mordazes. A crítica aos alemães, aos media sensacionalistas e à Onu, no filme, os soldados, pouco mais são do que meras caricaturas.
No fim não é a morte que dói, é viver. E por vezes esquecemos a mensagem positiva do título, A Vida é um Milagre, como diz uma das personagens logo no início, quando um pinto nasce.
“Ao homem é dada razão para controlar os sentimentos” diz alguém. Mas, ao longo do filme vemos como a frase é ridicularizada pelos acontecimentos que deram origem e continuidade à guerra.
A vida é um Milagre é também um relembrar de que individualmente podemos fazer a diferença. E vivemos numa Europa que é um autêntico barril de pólvora. Bascos, protestantes e católicos, minorias étnicas e religiosas, entre outros, perfazem alguns dos problemas de hoje. E por vezes, não podemos depender dos “velhos” que estão no poder.

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