sexta-feira, fevereiro 16, 2007

Obviamente, a maior parte dad bandas desenhadas que surgem não são extraordinárias, mas é assim em tudo: em cem romances ou cem filmes escolhidos ao acaso, também não se encontrarão muitas obras-primas.
Um criador de banda-desenhada pode ser bom ou ser mau, mas de qualquer modo o seu trabalho parece-me comparável ao de um romancista: na banda desenhada também se trata fundamentalmente, de contar uma história, isto é, muitas vezes, de saber dominar o tempo, cada quadradinho pode ser uma sequência. São os códigod utilizados que diferem. Parece-me evidente que a banda desenhada é um modo particular de literatura. Se eu tivesse que definir a minha actividade, diria que sou um escritor que desenha e um desenhador que escreve, mesmo que o texto em si seja apenas constituído pelo diálogo indispensável. Tal é o enigma que se apresenta aos que não compreendem a banda desenhada. Na minha cabeça, o texto e a imagem caminham sempre a par. O poeta grego Alceu disse mais ou menos isto, a propósito de uma concha: «Filha da pedra e da espuma do mar, com a tua beleza influencias o espírito de uma criança.» Está lá tudo, não se pode contar melhor o que uma concha pode inspirar. Para mim, hoje, o grafismo parte da necessidade de um traço para chegar ao imperativo da palavra. Assim nasce a banda desenhada.



Hugo Pratt, O desejo de ser Inútil, Relógio D`Água (Pág.216)

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