sexta-feira, fevereiro 16, 2007

Quanto a estabelecer uma hierarquia entre as diversas formas de expressão artística, isso parece-me impossível. Assim, aqueles que dizem que a banda desenhada é um género intrinsecamente inferior ao romance avaliam a banda desenhada aplicando os critérios do romance, e nesse caso é evidente que não se pode senão cheagar à conclusão que a banda desenhada é subliteratura. Mas essa gente esquece-se - ou não sabe - que a banda desenhada tem o seu próprio código, e que é apenas situando-se no interior desse código que se pode apreciá-la. Alguns pensam mesmo que, de qualquer modo, a banda desenhada não pode ser uma arte. Uma vez mais, é porque a conhecem mal e porque nunca viram, por exemplo, Little Nemo in Slumberland de Winsor McCay.
Essas reacções negativas vêm geralmente de mandarins da cultura de tipo universitário e nada têm de surpreendente, pois a cultura oficial é por natureza conservadora, e desde sempre desconfiou dos novos modos de expressão artística. no século XVIII desprezava os romances, e levou algum tempo a compreender que o cinema não é um subteatro. Acabará por se aperceber que a banda desenhada também pode, por vezes, ser uma arte. Esperemos que nãoponha então a banda desenhada sob sua tutela, erigindo-se em árbitro da sua estética e atribuindo-se o monopólio da exegese, o que teria como consequência fazer passar a banda desenhada de um gueto cultural para outro.
Hugo Pratt, o Desejo de ser Inútil, Relógio D`Água (pág.203 )

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